sábado, 7 de julho de 2007

Conversa com o professor

"Sou eu, a Heloisa." Eu tinha ligado na hora combinada, para que ele me desse dicas num artigo acadêmico.

"Heloisa, meu deus, que coisa mais incrível, eu nunca me acostumo, mundos diferentes conectados num instante!"

"Eu estar ligando para os Estados Unidos não é tanta coisa pra mim, minha família hoje... é americana."

"Mesmo assim, semana que vem estarei na Europa, e acabei de chegar de uma visita a um professor meu, muito idoso, que mora aqui perto..." Não era tanto a distância, então. Era o tempo que se comprimia naquele telefonema.

Falei de minha viagem a Nova York em agosto, contei como era a estrutura do artigo, falei dos projetos, falei da greve. Meu inglês enferrujado, atropelando concordâncias e tropeçando em palavras.

"Quem entrou em greve?"

"Professores, alunos e funcionários." Como assim, todos?, ele deve ter pensado. Se estão todos de acordo, por que não mudam juntos as coisas?

"A greve era pelo quê?"

"Por um decreto" (decreto em inglês soa arcaico, será que é outra palavra?) "do governador que pedia que as contas fossem apresentadas diariamente, e não mensalmente, que foi aprovado em janeiro e que foi ganhando importância com a mobilização dos sindicatos." Sindicato é union, isso eu sei, é union.

Contando isso me perguntei afinal para que a apresentação diária. Um bom relatório anual, na verdade, seria suficiente, com o desempenho de cada faculdade, de cada curso. Quanto se gastou? Quantos se formaram? Os formandos de 2002, estão bem colocados? Quantos professores foram contratados? Quantos estrangeiros buscaram nossa instituição? Um bom relatório anual, publicado na internet, prestando contas.

Continuei: "Aí os alunos da USP invadiram a reitoria, e depois os da Unesp invadiram a sala do diretor, você sabe, uma sala um pouco maior que a minha, e também a cafeteria, não, não é cafeteria." Como se fala copa? "Invadiram a cozinha! Isso, a pequena cozinha onde se faz café para os professores, invadiram. - E aí chamaram a polícia. Isso..."

"Umh?"

"Isso faz sentido?"

"Bem, não. Não faz muito. Mas na universidade essas lutas não fazem sentido sempre. Você estava durante o nosso movimento?"

"A greve de fome?"

"É, também era sobre nada."

"O pior, o pior é que ninguém relaciona a greve dos professores com a invasão e a chamada da polícia. Ninguém."

Agora estávamos num campo conhecido, das coisas óbvias mas tão difíceis de compreender que era o nosso objeto de estudo. Agora, talvez, contando a greve de modo atropelado para alguém tão longe dela, eu pudesse dar-lhe um sentido. Claro, a greve já acabou. Professores retomam brigas interrompidas a respeito da grade horária e alunos rebeldes buscam emprego no departamento de marketing da Coca-Cola. Mas eu encontrava um sentido para meu incômodo e minha vergonha, mesmo que fosse um sentido patético, como disse Scheinkman na Folha.

Não sei se meu professor continua aprendendo algo quando vai visitar seus mestres idosos. Eu penso que continuo aprendendo algo de mim e do que se passa à minha volta - não com suas palestras, mas com sua escuta e com meus próprios esforços em encontrar a palavra certa, a história que faça sentido.

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