sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Regras

Ninguém leu os textos, então a discussão propriamente dita ficou para os últimos 30 minutos da aula, depois que eu já os tivesse inteirado do assunto. Mas no início da aula, quando eu apenas dava avisos, procurava horários alternativos para uma aula, prometia um ponto extra para quem fizesse um exercício mais aprofundado, aí uma sede insaciável de discutir regras aparecia. Por que?
Não sei. A parte mais importante de meu trabalho é identificar o que chamo de nós do aprendizado: aquelas barreiras culturais que impedem um grupo de alunos de seguir adiante em sua busca pelo conhecimento. Qual a barreira? Como a detonar? Como encorajar os alunos a ultrapassá-la depois da explosão? É trabalho duro, trabalho de general corajoso que enfrenta campo minado para mostrar o caminho mais seguro.
Eu não sei exatamente como explodir a barreira, mas acho que já a identifiquei: a obsessão pelas regras. Um ponto a mais para alguém que vai fazer a observação em S. Paulo, e não no Interior? Como assim? E meus direitos? Minha garantia que ninguém vai sair na frente na corrida da vida apenas porque decidiu fazer algo além do mínimo necessário? Vamos discutir as regras. A observação em si ficará em segundo plano. Se ela será enriquecida pela diversidade de perspectivas, ou se o ponto a mais até me servirá de estímulo para fazer um trabalho melhor, não importa. As regras.
Cheguei tarde, não participei da aula, intimidei a professora exigindo minha presença, mas tenho os meus direitos. Quero a justiça de não ser prejudicado por não vir à aula ou por cometer plágio. É isso que se debate, com seriedade e empenho. Os desafios enfrentados pelo indivíduo diante da globalização, tema do meu curso, viram até uma brincadeira, uma coisa divertida e leve, eu falo de minhas sobrinhas que fazem parte do fenômeno Harry Potter, e depois digo que na segunda parte do curso vamos discutir a censura do YouTube, vocês sabem, a Cicarelli, e tudo fica leve e interessante, não chegamos a debater nada.
As regras nos fazem ranger o dentes.
É por elas que nos debatemos, nós, talvez, brasileiros? nós funcionários públicos?
Nós incertos quanto a elas, quanto ao nosso dever de cumpri-las, quanto à nossa obrigação constitucional de burlá-las. Nós um pouco Marcola, como o aluno que me intimidou, à noite, cansada, estremeci por dentro, cedi. Nós um pouco Gabeira, indignados, errados, derrotados nos nossos sonhos errados e depois novamente nos sonhos certos. Nós Genoíno, indefinido, escondido, sem orgulho dos erros mas sem nada que pareça um arrependimento tampouco. Nós Zélia, pioneira, que abriu as portas para a entrada das mulheres na desonestidade pública, quando antes estávamos confinadas, nessa área, à esfera privada. Nós Delcídio, ambíguo, nós Serraglio, cumprindo o papel de modo correto, sem desvios, sem esperança tampouco.
Esse embate com as regras parece significar muito. Que regras? Valem para quem? O que significam? Para que cumprir, e para que ignorar? Elas nos ajudam a caminhar, ou vamos construir nosso mundo como se elas fossem, como se elas, e não nossos verdadeiros problemas, fossem a barreira a ser destruída?

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Um pequeno mundo

Às vezes também entramos nós numa sala com vontade de escutar e aprender. E como para nossos alunos, não é apenas a matéria apresentada que nos atrai.

Então entrei na sala onde iriam discutir a contribuição da escola de Columbia à sociologia. Era a segunda palestra do Professor Katz que eu via, então já parecia bajulação. Que parecesse; um pouco era mesmo, e a bajulação era uma boa desculpa para meu verdadeiro interesse, a mente daquele velho judeu que continuava a pensar sobre o mundo.

Então foi em Columbia que se reuniram os refugiados alemães, e passaram a fazer aqueles estudos sobre mídia. Não que se interessassem pela mídia, apenas pelo modo como as pessoas tomam decisão. Coca ou pepsi, ABC ou NBC, não importava. Mas como as pessoas decidem, quem influencia quem, o que fazem com o que lêem ou escutam? Perguntas perenes. Criaram um centro para captar recursos das grandes empresas, uma precursora de nossas Fipes. E depois colocavam os alunos de pós em empregos nos departamentos de pesquisa dessas mesmas empresas, quem influencia quem?

Anos 50, grandes progressos.

Mandaram o Adorno pesquisar a música de rádio. Mas, disse o Katz, ele não gostava do rádio, achava que não se ouvia bem nos aparelhos. E não gostava das músicas, deviam tocar Schoenberg! Então não deu certo, e essa foi a briga entre Adorno e Lazarfeld. Aí o palestrante mais novo disse que a cooperação não foi tão desastrosa, e que Adorno ensinou, de volta a Frankfurt, as técnicas de pesquisa aprendidas em Columbia.

Mas isso não era acurado, de acordo com um velho alemão sentado atrás de mim que levantou a mão e disse: “Professor Adorno não ensinou técnicas de pesquisa em Frankfurt; apenas seus assistentes o fizeram, pois o Instituto se preocupava com a capacidade de seus alunos de encontrar bons empregos.”

Recado dado, informação corrigida, missão cumprida. A fotografia de um geração que, por escolha ou não, construiu seu pequeno mundo, onde se podia brigar por gostar de Schoenberg e sempre haveria espaço para levantar a mão e dizer a verdade, seu pequeno mundo espalhado pelos quatro cantos do globo.