segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Ainda a deferência

Hoje fui à Fapesp assinar uns papéis mas chegando lá o prédio imponente de concreto me desnorteou e eu fui tirando os papéis da pasta sem saber o que com eles fazer. Haviam me dado, enfim, a grana para ir aos Estados Unidos, depois de umas tantas petições. Quem havia me dado? Era o mesmo parecerista que negou inicialmente? E por que agora me dava?

Mas na porta há apenas uns meninos em frente a computadores, como se você estivesse no laboratório Fleury e eles fossem coletar a sua urina para exames. Depois veio um homem e me tratou com deferência, uma deferência falsa, pois olhou meu jeans e meu jeito atrapalhado e pensou: não foi essa aí que escreveu a petição tão chique, foi outra (sim, pensei na clarice e na sua petição chique).

Imaginei que alguém tivesse treinado o homem, trate os afro-descendentes com respeito, trate os fisicamente desafiados com naturalidade, trate os bóias-frias do saber com delicadeza. Não importa o que a pessoa faz, lhe disseram, mesmo o mais humilde professor em tempo parcial merece consideração. Que não por outra razão, por ter preenchido todos esses formulários que a gente exige.

Saí de lá sem saber que experiência não vivida aquele encontro burocrático me recordava. Não era o Kafka, pois meu processo era cristalino, teria fim. Não era a visita de Arendt à Gestapo, se bem que essa tinha sido até bastante cordial. Não era o Detran, no Detran me assaltavam e aqui me faziam a gentileza de devolver parte do botim. "O dinheiro já deve estar aqui ainda antes do feriado, professora."

Um bolsa-família, um seguro-desemprego. Era isso. Depois veio um menino ainda mais coitado que eu pegar sua iniciação científica. Por que é que no Brasil até as instituições que funcionam tem essa cara de senhor de engenho?

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