sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Uma história antiga

Essa história é bem antiga, e não sei porquê me deu ganas de narrar agora. Agora que está tudo mais ou menos resolvido. Mas lá vai:

Era meados dos anos 70, estávamos no Guarujá com minha avó. Meu pai trabalhava, provavelmente na Ajax, na Via Dutra. Era na época em que ele usava terno. Minha mãe chegou arrasada de S. Paulo, chorando e tudo o mais. Sentou à mesa e desabafou para uma senhora e duas crianças que pouco sabiam sobre política universitária.

A história era essa: haviam reprovado minha mãe no exame de qualificação do mestrado. Não foi falta de preparo; minha mãe entendia dos números, dos volumes e das probabilidades. Isso eu vi com meus próprios olhos, várias vezes, qualquer hora conto. Mas era para outro sujeito passar, e isso era, é, será razão suficiente. Então disseram: "Faltou elegância à sua prova."

E minha mãe engoliu essa: "Faltou elegância."

Mas não digeriu bem; ficou engolido na traquéia, sem chegar ao estômago, sem ser decomposto pelos ácidos que a gente produz e que nos permitem digerir as coisas mais duras.

Então ela catou os exercícios mais espinhosos de estatística que havia disponíveis nos livros, e os fez um por um. Fez todos, com a serenidade com que depois me explicou o que era afinal uma tabela Anova, com a serenidade com que depois interpretou os resultados dos seus exames de sangue, enfim, com aquela sua serenidade que ela reservava para os momentos de maior necessidade.

E num belo dia pediu explicações ao orientador para fazer o primeiro exercício da lista. E ele pediu um tempo para pensar. E na semana seguinte ela veio com o exercício pronto e pediu ajuda para fazer o segundo da lista. E ele pediu um tempo para pensar. E na semana seguinte ela continuou o processo, sempre muito educada, simpática, com seu batom barato que na sua boca ficava muito elegante.

Sempre, sempre muito elegante. Mesmo quando mandamos alguém tomar no cu é preciso manter a elegância, pronunciar bem as palavras e acertar nas concordâncias. Sempre.

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