terça-feira, 29 de setembro de 2009

Yom Kipur

A última vez em que não jejuei no Yom Kipur foi, se não me engano, em Nova York por volta de 1996. Fiquei no apartamento da Susanna no Upper East Side cozinhando para umas vinte pessoas, entre as quais o Mick e a Naomi e a Andrea Baiana. Estava também a Marla, irmã do cunhado no meu irmão. Era bastante gente. Até o pessoal do Upper East Side cometeu a imprudência de atravessar o Central Park (novaiorquino é muito bairrista) e veio nos visitar.

Desta vez, uma gripinha serviu de pretexto para minhas refeições no dia mais sagrado dos judeus. Mas a verdade é outra: eu não achava que devia jejuar. No fundo acreditava que tinha pagado os meus pecados e pronto. Tomei o primeiro gole de água do dia, à noite, quando voltei da sinagoga, feliz, me achando no direito. O café da manhã foi maravilhoso e sem culpas. Comi cada bocado de fruta e pão, tomei cada gole de leite e suco com um enorme prazer; eu merecia. Só a coxinha frita, feita pela Maria, que a Renata me serviu no almoço me abalou um pouco. Pois quem é que se acha digno de uma coxinha? Mas depois tomei café e ainda levei chocolate para casa.

À tarde havia chovido. Reclamei mentalmente com meu irmão por ter deixado uma janela aberta; tive que enxugar o chão. Mas depois eu mesma, na hora de sair, deixei a janela aberta. Então era melhor deixar por isso mesmo, pois era dia do Kipur e quem é que não deixou, no ano, uma janela aberta? Deitei, li todas as histórias da Morashá do último ano, histórias do meu povo cheio de histórias. Escutei um CD da Fortuna sem saber que ela estaria na sinagoga cantando. Enfim, fiz as rezas do meu jeito.

No dia anterior, na Hebraica, o cantor abriu a cerimônia falando do que ela representava para ele, vir todo ano cantar, a angústia do tempo passando. Depois se perguntou quem pode julgar quem, quem pode decretar se o outro é feliz, quando nossos momentos mais felizes não são mensuráveis nem públicos? E aí agradeceu estarmos todos juntos ali, naquele salão enorme, que já foi caótico e barulhento mas que agora parece tão correto, tão adequado, por mais um ano.

Eu estava muito feliz de estar ali. Me parecia ter atravessado um longo percurso até chegar ali de volta, então estava muito feliz. Somos só uma meia-dúzia, uns poucos judeus que decidiram vir ao Brasil. Se você vai ao exterior te perguntam: mas como é que seus antepassados tiveram essa idéia esdrúxula de ir ao Brasil? E você inventa alguma história que até pode ser verdadeira, mas é mais para mudar o assunto e calar o interlocutor.

Mas temos uma identidade, não? Não somos apenas uns judeus que foram parar num lugar quem nem propriamente latino-americano é, nem apenas uns brasileiros que marcam as festas religiosas em datas estranhas, não é verdade? Temos todos esses laços, com o Brasil e seus vizinhos, com Israel e com os países de onde nossos antepassados vieram, e algum dia ainda vamos entender mais profundamente os nossos laços com os cristãos-novos que para cá vieram - laços como judeus mas especialmente como brasileiros.

À parte esses laços todos, foi bom estar de volta, entre os meus. E eu curti cada momento desse dia, tirando até férias do jejum.

Um comentário:

jacob disse...

oi Helô
Gostei das tuas histórias, como sempre e em especial esta do Kipur.
E tb,para ser perdoado, afanei (no bom sentido neh) a página de receitas da minha querida Rosinha, tua mãe!
Vou experimentar e fazer a receita
Beijocas

Jacob